Piano alone. A Composer's journal. Piano só. Diário de um compositor. Piano seul. Journal d'un Compositeur. Piano Solo. Diario di un Compositore. Klavier Allein. Ein Komponist Tagebuch.












Wednesday, 27 October 2010

Falsificações falsificadas.


“Esperando o Sucesso”, Henrique Pousão, 1882, óleo s/ tela, MNSR.




Falsificações falsificadas. A triteza continua e acentua-se.

Há uns anos atrás conversava com um galerista de uma conceituada casa da grande Miguel Bombarda. Dizia-me ele a certa altura sobre o Informal, que era o estilo mais difícil de receber na sua casa, pois “como não representa nada, não sabemos se é “bom” ou não. Olhamos para a peça e ela pode até ter sido feita por uma criança. Já se representar alguma coisa, já sabemos se está bem feito ou não, se o artista é bom ou não. Por isso só sabemos se o artista é bom ou não com o tempo e com a reacção do mercado: se vender, é porque é bom.”.
Não, não é uma piada. Aconteceu mesmo. A galeria é conceituada, e compreende-se porque não a nomeio, embora esteja convencido que o galerista em questão mantenha ainda a sua “opinião”. A minha reacção foi a que se imagina. Por dentro fiquei abalado. E a conversa não durou mais.
Lembrei-me desta história aquando da primeira destas três notícias sobre apreensões de alegadas “falsificações” de artistas do século XX. Entre as peças que vi na comunicação social estão objectos associados a Miró, Chagall, Picasso, e até Rubens e agora Leonardo, imagine-se (!). O que me chocou não foi a apreensão em si. Sabemos que há um mercado de falsificações, que sempre houve e sempre haverá. O que me repugnou foi toda a miséria que envolveu o acontecimento. Como poderei eu dizer isto? Eles não são Picassos porque são falsificações: não são Picassos porque não são Picassos. Ou seja, não têm de forma nenhuma o que caracteriza um Picasso. Dito de uma forma simplista: simplesmente não têm qualidade. E o mesmo se aplica aos Chagall, aos Miró, e a outros que pude ver na peça sobre a primeira destas apreensões.
E no final de tudo isto, a Polícia judiciária, à luz do que apesar de tudo consegue fazer, que merece e seria suposto poder contar com a perícia de um Eduardo Batarda ou outro eventual [raro] perito com a mesma dimensão, uma vez que não têm a menor obrigação de se especializar em História da Arte, vem dizer que todas esta peças valeriam “mais de um milhão de euros”. Ora eu pessoalmente duvido que se pudesse pedir por uma tela de Rubens menos de cinco vezes esse valor. E ainda mais todos os outros autores. Pior mesmo só seria se tivessem avaliado em “para cima de um dinheirão”.
Ainda a questão do “Rubens” e agora deste “Leonardo”. Pergunto eu: e que anta, que energúmeno é que daria alguns milhões de euros por um Leonardo num antiquário? Com certificado(s) ou não, qual seria a hipótese de encontrar um Rubens ou um Leonardo num antiquário em Lisboa? Já agora um bustinho do Buonarroti, que estão mesmo a sair muito bem. É que quem compra arte desta dimensão, não o fará nunca –ou não o deve fazer nunca– sem a consultadoria de um especialista.
Nesta última apreensão, entre as peças que pude ver, Leonardo nunca faria aquela composição, muito menos estaria no mercado sem uma contextualização histórica internacional, e o mesmo se aplicaria a um Rubens; o “Miró” é demasiado denso, nunca ele pintaria aquilo; o “Kandinsky” é uma contradição em termos, completamente desequilibrado e todo ele ruído; os “Picassos” são risíveis no mínimo, apenas nada têm de Picasso; a “Lempicka” é grotesca, outra contradição; o “Chagall” é um mamarracho adolescente, e a lista continua. Uma profunda e intensa tristeza como se tornou fácil enganar um mercado que atingiu este nível de sensibilidade e ignorância.
Quão distante parece estar o tempo de Hans Van Meegeren!
O que abala verdadeiramente o mundo da arte, em Portugal ou no mundo, se é esse o caso, não é a dimensão das apreensões nem mesmo dos autores implicados, mas a profunda mediocridade e ignorância que perpassa todo o processo, do falsificador ao eventual comprador –duplamente lesado–, até aos meios disponibilizados à instituição que apesar de tudo, fazendo o melhor que pode com o que tem, ainda o consegue detectar e interromper.

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